sexta-feira, 24 de junho de 2011

O fantástico mundo da boa leitura tem o poder de transformar homens, mulheres e crianças em pessoas que podem fazer a diferença nesta vida.


O Hábito e o Gosto pela Leitura

Hábito e Gosto são dois conceitos que, neste contexto, podem produzir uma conexão profunda entre si, ou não.

Será que quem tem hábitos de leitura, tem obrigatoriamente o gosto e o prazer de ler?

Aplicada à leitura, a palavra hábito indica que aquela pessoa habitualmente lê. Que o faz de forma continuada. Analisemos em que contexto lê: por obrigação, porque tem que prestar provas e precisa de se preparar? Profissionalmente, porque as suas funções a obrigam à atualização de conhecimentos e por isso é obrigada a ler? Porque gosta de estar informada sobre o que se passa no mundo, no seu clube de futebol ou nas “fofoquices” sociais e então lê jornais e revistas? Ou porque gosta simplesmente de ler e para além das leituras obrigatórias e informativas, lê simplesmente como evasão, porque lhe dá prazer ler ficção, poesia?

É aqui que os dois conceitos se tocam: hábito e gosto completam-se quando se realizam todas as formas de leitura: leitura informativa / formativa e leitura literária / recreativa.

Parece-me interessante refletir sobre os caminhos que conduzem a estes dois conceitos. Quanto ao hábito chega-se lá pela prática. Desde muito pequenas as crianças tomam contacto com a leitura. Aprendem a ler. Leem porque precisam de estudar. Praticam a leitura em contexto escolar, daí adquirirem algum hábito. Poderemos então questionar: quando a leitura deixar de ser uma imposição escolar, ou profissional, continuará a ler?

A leitura é uma prática que passa para além da dimensão física das palavras. Ou seja, não é uma prática linear, tem uma dimensão psíquica, cognitiva que está muito para além do signo escrito. Ela toca os sentidos e transforma-se em arte.

Quando alguém lê e pode ler muito, mas lê apenas porque é necessário aprender, porque é importante estar informado, a leitura está cumprindo apenas uma função: dar significado, transmitir conhecimento.

Mas quando ler se torna uma prática indispensável e, no sentido estético, se transforma num alimento para a alma, como quando se ouve música, ou se admira uma peça de arte, essa leitura não é aquela de que falávamos anteriormente. Esta leitura desperta em nós novos estados emocionais e transporta-nos para mundos diferentes que não conhecemos, mas que passamos a habitar, porque se tornam parte integrante do nosso imaginário.

Seguindo este raciocínio, concluímos que hábito e gosto pela leitura, são dois conceitos que podem ou não coexistir. Contudo, a não coexistência fragiliza-os; se existe hábito sem gosto, facilmente se deixa de ler, o hábito vai-se perdendo e se não houver nada que o alimente, morre.

Também o gosto, se não houver hábito, terá um caminho difícil. Ler não é uma tarefa fácil, pelo contrário é uma tarefa penosa quando não se adquiriu a destreza necessária para a sua prática fluente. Logo, apenas o gosto não chega para atingir os objetivos que pretendemos quando falamos de índices de leitura. Como diz Raquel Villardi (2002) :
“Habituar o aluno a ler tem-se mostrado inócuo, insuficiente (embora desejável) para que se forme um cidadão capaz de incorporar a leitura às atividades do seu quotidiano. Isto só ocorre quando a leitura é vista não como o cumprimento de um dever, mas como um espaço privilegiado, a partir do qual tanto é possível refletir o mundo quanto afastar-se dele, um espaço no qual é possível encontrar aquilo que a vida nos nega, quer sob a perspectiva da realidade (enquanto informação, conhecimento), quer sob a fantasia. E para que isso ocorra, para que se forme um leitor para toda a vida, o hábito só por si, não chega. Há que se desenvolver o gosto pela leitura.”
Refletindo sobre esta problemática, podemos ensaiar o seguinte raciocínio: a leitura mecanizada produz o hábito; a leitura trabalhada para os sentidos faz nascer o gosto. A associação dos dois conceitos cria leitores para toda a vida.

Margarida Fróis

http://leituras-cruzadas.blogspot.com/2009/05/o-habito-e-o-gosto-pela-leitura.html / Foto retirada da web.

VÍDEO RELACIONADO AO PRAZER PELA LEITURA

http://www.youtube.com/watch?v=fdi_BL8Z88E&feature=fvst



terça-feira, 21 de junho de 2011

Em 1981 Chico Buarque traduziu de forma genial o sentimento de muitas mães carentes de afeto, dinheiro e intelectualidade. E agora, 30 anos depois?


O meu guri

Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assalto está um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri

Composição: Chico Buarque de Holanda -1981 / Foto:theurbanearth.wordpress.com

Após a leitura dessa dura realidade, chegou o momento de ver e ouvir tamanha criação melodia e poética em forma de protesto.

http://www.youtube.com/watch?v=xEEkIpoW2d0&feature=fvsr

Há 30 anos que Chico Buarque lançou este trabalho em nível nacional, certamente, para chamar a atenção dos poderosos da época para o tema em pauta. O que mudaram nessas três décadas? Se não houve tanto avanço, onde está o problema?








segunda-feira, 20 de junho de 2011

Gregório de Matos, poeta barroco do século XVII, conhecido como boca do inferno pelas suas poesias satíricas, arrasou ao poetizar a figura feminina

À mesma dona Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara!

Isso é ser flor, e Anjo juntamente:

Ser Angélica flor, e Anjo florente,

Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,

De verde pé, da rama florescente;

E quem um Anjo vira tão luzente;

Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,

Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,

Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,

Posto que os Anjos nunca dão pesares,

Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

Gregório de Matos

Desenho: http://desenhoslapis.arteblog.com.br/421596/Uma-Homenagem/
Poema: http://iaracaju.infonet.com.br/users/asj/poesias.htm